sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Duplo sentido



Um vento a bater no rosto
Rosto de suor de quem vive o último quilômetro da vida
O chão distante, propenso ao vôo
Chão íngreme da escadaria do prédio
O coração aos pulos de quem irá pular do parapeito
Um coração saliente, vermelho e inchado de virilidade
Lágrimas. E boca sombria. Um suicida
Um sorriso maior a cada degrau
Ele olha pro céu, o último piscar
E olha pra cima, a porta dilatada
Estica-se os braços, como um redentor
As mãos gélidas, sedentas pelo ar
O equilíbrio tende para o nada
As pernas em passadas rápidas no terraço do edifício
Lá embaixo a polícia, os bombeiros. Uma platéia escancarada
Transeuntes de uma tarde concreta, sem sonhos
Uma última gota de lágrima alcança em solo os lábios da sua mãe
Dois passos no caminho do sol
O corpo inclina-se, já está morto
O impulso já vem de passos e correrias
Então os pés se despregam do concreto. Do parapeito em degrau
O último degrau, o próximo passo não terá nada de concreto
O suicida cai para a angústia da calçada
O sonhador bate asas e sobre para além do céu

Infinito.

1 Cortesia(s):

Juliana Porto disse...

Esplêndido!

Ainda que uma vertente para a tristeza.
Os dois lados de quem está do lado de fora, ou de dentro.
Mais uma vez, fechei meus olhos.

Beijos poeta.