sábado, 27 de dezembro de 2008

Sopro de voz


Coloquei um verso em pauta de flauta doce:
A saudade é inconfundível.
De tom melódico com uma sétima requerendo o refrão. Jamais o último mas o eterno. Assumo que sonho agora, todos os dias, todos os sonhos. Na flauta as palavras nunca ditas. Um teto de madeira rústica. Um lugar a sós. Uma partitura inteira de canções a serem tocadas pelos corpos e lábios.
  1. A flauta.........................................................................4
Ainda é tão cedo. Maestro, não derrube a orquestra. A menina da flauta ainda me toca com voz melodiosa. Deixa ela. Está tão linda como sempre foi. Ela faz música e eu sou luthier, não ostento. Construção não arquitetada. Mas por agora a música que sai da flauta é o timbre que me sustenta.


Flauta doce
transversal
não programada

talvez

seja a música, não a flauta.
Um sujeito que olha a próxima pauta, instrumento de fole acordeado.
Esperança, não
Olhar adoçado.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Parabolóide



Ao putre desgraçado restou a última baforada:
- Estou farto de agonia.
Então se pintou de palhaço, brindou com a esposa e pegou o primeiro balão da alegria



  • No caminho uma missão: Aprender a sorrir

Um espelho e contrações diversas.
Voluntárias. Frustrantes.
Deveras.

Uma névoa.Um pássaro desbotado.
Um pequeno papel rabiscado.
Nas mãos a leitura:



Sorrisos não são coisas a se criar. Sorriso é coisa de olhares encantados.
Tomei a liberdade de colocar no seu bolso uma rosa
Vê como ela é linda?E um pequeno pudim pra viagem.
Sinto sua falta, já.



O palhaço viajante, antes mesmo de olhar pra flor
Já sorria lágrimas de alegria.
De sentimento flutuante.
Pediu aos ventos que se virassem em contradireção.
E contava as horas pro próximo sorriso.
Flutuou ninguém sabe pra onde.
Mas ele sorriu mais uma porção de vezes
Com um tal bilhete nas mãos.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Marcha pro teu



Metrônomo: 14:10:01

[...]
Aos outros foi dada a inconsolação de duas pétalas mortas. Bastava.
Só restaram ali lágrimas e dois corações estagnados

[ um vestia verde oliva
outro, cor de música em decomposição ]

alguns fiapos de nuvens que as crianças fizeram de algodão
e um baú de madeira barata. Em cima deste, uma bandeira de alguma pátria amada
e um abraço esparramado.

[ uma senhorita que teria ouvido uma frase a mais
do que qualquer outro no salão ]




Antes,
a música era de fundo:
Ele desceu calçando nuvens
foi impaciente
me viu em prantos e disse no tom dos meus ouvidos.

- suba,
vá com ele.
aqui você não fica
nem mais um segundo.



terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Criança Louca



Tragam cores. Entre as flores e vestígios. Tragam água para um banho. É supostamente engraçadíssimo como as coisas falam por si próprias, como as reações são belas e as frações nunca existiram. Apesar disso tudo, e agora destaco o suposto de sujeitos que a contragosto pintaram de contorno vermelho um enorme buraco na calçada.
No balcão, eu pedi o que não vendiam, coragem de criança e vontade de dançar. Obviamente não tinha. Saí pela porta de aço e voltei em seguida repetindo o pedido, de caráter proposital. Só se vende o que procuram. Isso, no estabelecimento comercial. Lá fora se acha do paralelo, mas eu preciso de tipos verdadeiros, perpendiculares, e verdades quase nunca estereotipadas. Eu preciso de coragem e vontade. Coragem de dançar pra ser criança. E vontade de ser, pra poder dançar.

Olho no espelho, o espelho cai. Tateio meu rosto.Não entendo o tamanho desse sorriso. Dessa vez, não entendo mesmo.
O sorriso cai.
Olho pro espelho e já não entendo absolutamente mais nada.

sábado, 20 de dezembro de 2008

A rouquidão que nos tira de cena


Caos radiofônico. Distúrbios em graves e médios. Sonoridade plástica. O grande circo do incrível homem cantante
Alô? Onde está meu microfone?

Em que garganta ele foi parar.
Quando a dor vem fria, só entende quem sentia, a pouco mais de dois dias

que o vento carrega as pessoas. Mesmo as mais contidas.
Em boca e ouvido. Em sal espremido. Em vinho tinto, de amor de garrafa de vidro.
_De pai.
Não termine agora. Vá e cante, ensine as notas para os ouvidos. Cantigas de pulso e jugular. Canta, meu amigo, canta. Só pra ouvirem lá de cima. Só pra escutarem de olhos fechados. Somente pelo prazer da inspiração, brada como faz melodicamente.

Só pra te ver de novo

Ouvi alguém do décimo andar comentando
O menino ainda canta alto.

Minha paz é tua, amigo. E tudo mais o que quiser levar emprestado. Só devolva quando quiser. Mas cante.
Cante. Pelo amor de Deus
Cante

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Duplo sentido



Um vento a bater no rosto
Rosto de suor de quem vive o último quilômetro da vida
O chão distante, propenso ao vôo
Chão íngreme da escadaria do prédio
O coração aos pulos de quem irá pular do parapeito
Um coração saliente, vermelho e inchado de virilidade
Lágrimas. E boca sombria. Um suicida
Um sorriso maior a cada degrau
Ele olha pro céu, o último piscar
E olha pra cima, a porta dilatada
Estica-se os braços, como um redentor
As mãos gélidas, sedentas pelo ar
O equilíbrio tende para o nada
As pernas em passadas rápidas no terraço do edifício
Lá embaixo a polícia, os bombeiros. Uma platéia escancarada
Transeuntes de uma tarde concreta, sem sonhos
Uma última gota de lágrima alcança em solo os lábios da sua mãe
Dois passos no caminho do sol
O corpo inclina-se, já está morto
O impulso já vem de passos e correrias
Então os pés se despregam do concreto. Do parapeito em degrau
O último degrau, o próximo passo não terá nada de concreto
O suicida cai para a angústia da calçada
O sonhador bate asas e sobre para além do céu

Infinito.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008



Madre
que cuida do filho como parte tua
que cuida do teu com severa delicadeza
Dislumbro-me ao sons de tu, mãe
Acode filho teu como a beleza nunca saberá existir
Meus ouvidos ouvem música,
mãe doce
mãe, no significado por inteiro
Suavemente, é mais linda que o sol que virá amanhã
Que ternura
não escondes um milímetro diante de teu filho
és macia...
Carinhosa
Já se perguntou por amor?
Nunca verá prova igual.
Diante de ti, mãe
ergo um altar
És mãe de alma, de coração
Que os mais lindos botões de rosas caiam pra ti
Faz poesias em cada gesto
Ama de verdade e eu confesso
Desabem os céus, e que desabem sobre mim
que me façam regressar a nulidade
mas nunca atinjam a verdade
dessa mãe e seu belo príncipe
Merecem as notas daquele acordeão
faço eu música e frases em si bemol
madre e filho, dancem e não se importem com o pôr do sol.

Toma-te. Rosa e bandolim.
Verso escrito em relevo no mogno:
Amor igual, eu nunca vi.

Ao desligar o telefone.



De repente tiro os óculos
e de repente pouco me importa o resto
e ainda de repente pareço estar tocando o vazio
com os pés
e de repente sou eu mesmo a tangente
de quem tange as cores
de repente é tão doce
e é tão simples
que de repente fico mudo enquanto ouço
a melodia doce e linda
calma e novamente doce
e de repente saio de mim
e de repente me vejo do lado de fora
mas de repente eu sinto tudo aqui do lado de dentro
e de repente
pode até ser mais que de repente.
minha matemática explicaria?
Quando há a harmonia não existe brecha para o acaso.
O que vivo então?
Desarmonicamente eu vivo o melhor dos acasos?
é.. de repente sim.
"De repente"..esboço um sorriso...
de canto, tateando os lábios.
Perplexo, sonhador, e sincero.
O mais sincero de todos até hoje.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Mente Suada



Um medo inteiro de dizer a Renato e aos russos
aos indignados e contemplados
O medo da esquina e da porta de trás
A lástima ocular

o fatídico dia em que somos meia luz
Dos orifícios
a calma de uma sábia expiração
a fala progressiva
que não necessita de explosão
A falsa inspiração
a falta de resolução
ocular.


Sente-se, querido.
Sua febre passou. Está molhado. Deixe-me que te enxugue.
Acho que você pegou no sono
enquanto deitava-se em meu colo.
Você está bem agora.

E ele bradou:"Quem deseja ir pro céu que levante as mãos!"
E todas elas se foram pro ar.
"Então vamos agora"

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Acorde



Vivo entorpercido
Não embriagado como antes
abstinência
quando me encontro num buraco, o mesmo de sempre
caindo para o fundo uma palavra é o ópio
ela vem, me entorpece e vai embora
por algumas horas são meus momentos de dias inteiros
Quase animado, aliviado, eu esboço um sorriso
contrariado
sei que logo vai passar
É duro sorrir sabendo que um sorriso tem vida útil

Entende do que falo?

"Pra onde vai uma canção depois do acorde final?"
Começá-la
Se emocionar com os versos
o trovejar de um estribilho
o encantamento dos olhos, reflexo do ouvido
mas sabe-se que a canção tem fim
e que se a mesma nota que começa não termina
termina-se de outro jeito
mas termina
Pode-se repetí-la quantas vezes quiser

mas pode-se ter a certeza que nunca será igual
não pelos acordes, pelas notas
mas pelos timbres que um ouvido nunca ouviu

Entende do que ouve?

Ouvir algo estranho
ouve sem saber exatamente porque é o melhor pra se ouvir
mas ouviu, e se embriagou
ouve e se entorpece
Há o que escutar, sobre o que ouviu
Mesmo que a ressonância do último acorde
é o que me entorpecerá até minha mão falhar
e as cordas trastejar.